Bacharel de Direito, estudante de Teologia, pós graduanda de Direito, escritora, empresária e blogueira. Quase mulher, quase gente, quase anjo, quase santa. Apaixonada por nuvens e mar. Nem muito doce e nem tanto amarga. Feita de carne, osso, pele, cor e poema.

15 de outubro de 2016

Entre vítimas e culpados

Não ser uma homicida não faz de mim uma pessoa melhor. Não ser latrocina não me transforma em alguém mais honesta ou melhor do que qualquer outra. Calma!

Essas são atitudes que não tenho qualquer vontade de fazê-las. É uma conduta consciente, um acordo selado que envolve a moral e costumes que não me traz a vontade de realizá-las.

Existem outras atitudes que podem fazer de mim uma perversa. O mal nas coisas que não enxergo e não compreendo dos sinais ao meu redor. Explico: o mal existe quando não aperto a mão de um subordinado porque ele é inferior a mim. Quando não me preocupo com o caixa da quitanda que já faz quinze dias que não o encontro em sua ocupação habitual, no copo d’água que deixei de oferecer a quem não teve uma boa notícia ao falar ao telefone.

Na minha cabeça o perverso sempre habita no outro: quando me oferecem o troco errado [e eu já imagino ser propositalmente, nunca que ele possa está abalado por algum motivo]; quando furam a fila [e eu sempre penso que es
teja querendo tirar vantagem, sem compreender que ele possa está acometido de alguma enfermidade]; quando envio um texto dedicado e não tenho resposta, afinal destinei meu tempo e palavras do dicionário e a pessoa não me concedeu nem um sorriso amarelo [nunca quero pensar que a pessoa simplesmente não goste de ler ou que esteve abarrotada de trabalho].

Claro, estamos SEMPRE buscando justificativas para nos absolver de um júri formado em nossa cabeça. A culpa é sempre do outro, a minha culpa deve ser anistiada em primeira instância. Estou reagindo, antes que seja tarde demais, a cada vez que a minha cabeça tenta me absolver e absolvo o outro, talvez a perversa seja eu se agir diferente. Não estou querendo buscar a vítima e o culpado nas mais diversas situações que nos acontecem.

É uma mania de obrigar aqueles que nos rodeiam a nos recompensar pelo bem que achamos que fizemos, ou quando temos atitudes negativas precisamos ser entendidos, porque tudo tem um motivo e tivemos os nossos para agir assim, do contrário é muita crueldade.

Pomos o culpado numa cadeira elétrica e damos a pena mais pesada por suas batalhas e sempre tentamos convencer aos jurados sobre as nossas possíveis finalidades a fim de que nos seja concedido não uma pena, mas uma benesse em público, sim, sempre em público.

Se colocar na cadeira do culpado é difícil, sobretudo quando falta empatia, quando os olhos não são capazes de enxergar o que acontece em nossa volta, quando somos tão desatentos que convidamos o ego para ser o nosso par.

Juliana Soledade


Crônica produzida para o Jornal A Região publicada no dia 15 de Outubro de 2016.

6 de outubro de 2016

Doce amor


Ainda bem pequena, aprendi a me calar para ouvir o outro, sobretudo quando se trata das pessoas ‘mais velhas’; cresci com senhor ou senhora para os pronomes de tratamento; sigo pedindo desculpas com facilidade, assim como por favor, e obrigado. Tenho uma dificuldade absurda em desejar bom dia mecanicamente e me faz mal ser reprimida em casos de esquecimentos. Não que eu não desejo, descarto a obrigatoriedade, apenas.

Certa vez vi um casal de velhinhos sentados num trem em um diálogo animador.  Se o destino me levou naquele dia até aquele lugar e me pôs a sentar preferencialmente ao lado desse casal, é realmente momento de abrir o coração para escutar com outros sentidos. Ele dizia que quando experimentamos o amor nos tornamos eternos, porque abandonamos o esquecimento, para e com o outro. O papo descontraído não parou por aí, seguiram conceituando a solidez no amor e a salvação que somente ele é capaz de alcançar.

Seguimos viagem, ele como se tivesse em posse de uma ementa, seguindo seu apontamento no mesmo tema. A minha posse era de uma memória por vezes falha, assim segui anotando suas observações quase sempre metafóricas e a cada comparação meu coração palpitava de alegria. Tenho certeza que engrandeço com o sentido figurado de coisas óbvias.

Atravessamos um vilarejo, ele apontava delicadamente para uma saia rodada e comprida numa vitrine, para em seguida afirmar que a essência de que todo o sentimento só é bem arrematado se estiver costurado na bainha do amor. Afirmou que o trem só havia partido com os dois de mãos dadas, porque ambos se elegeram para a longa travessia. A grande maioria daqueles que sofrem de paixão se abandonam nas primeiras paradas. A paixão é pragmática. O amor é uma consagração com absurda dedicação sem limite à condição de tempo. Falava no seu tempo, com respirações profundas e delicadas. A sua companheira fitava-o concentradamente.

A história é calçada em amores rendidos, como Penélope aguardou o seu Ulisses, fiel e sempre inteira, cuja sua beleza só não era maior do que o seu caráter. Do cavaleiro Tristão e a Rainha Isolda, a união do amor para além da alegria. Afinal, o amor sentido é isso: o pacto de laços para depois da felicidade.

Mas tem Drummond que torrencialmente chega falando de amor - ou paixão? -, do riso ao pranto, do imortal somente enquanto durar, no contentamento e no pesar. Na chama que [pode] se apagar. Um amor agitado, inquieto, com características de paixão: ardente. E os gloriosos poetas sempre aclamando que quanto menos correspondido, mais sentido. Amores verdadeiramente reais ou inventados, qual a diferença se nos fizer bem? Foi assim para o deleite do amor platônico de Dante e Beatriz. Foram assim para as ilusões de nosso primeiro e vigésimo amor. Se formos lembrados amorosamente e permitir lembrar-se de alguém do mesmo modo, qual o problema?

Não perguntei-lhes o nome, não procurei saber idade, de onde vinham e para qual o destino seguinte. Acompanhei com os olhos a cruzar o portão de desembarque, acenei mentalmente um adeus, um muito obrigado e um amor alinhavado com fios de ouro. E por fim me agradeci por saber calar, por saber ouvir.


Juliana Soledade

Crônica produzida para o Jornal A Região publicada no dia 08 de Outubro de 2016.


Foto: Créditos da foto

30 de setembro de 2016

Eu não vendo, e você?

Venda seu voto e abandone qualquer premissa ética nesse fenômeno de compra e venda no mercado negro da democracia e afirme o quanto é capitalista.

A venda de um voto recaí nos quatro anos seguintes, abarcam consequências dolorosas nos âmbitos sociais, econômicos, culturais e políticos. Flagelamos o nosso direito de exercer um direito quando o vendemos. Equiparo a uma tragédia em cascata: ambição, miséria e alienação. Quase sempre fragilizando a consciência de quem se dispõe ao ato.

Quando vislumbro esta atitude, afirmo sem dúvidas de que estou lidando com dois tipos de miseráveis: o político desprovido de valores e princípios básicos e comprova desacreditar na democracia ao golpeá-la comprando os votos de pessoas mais carentes por diversas circunstâncias sociais e o quase cidadão que não conhece a sua capacidade de mobilização política e se encontra alienado pela própria miséria e preocupado com a sua condição econômica.

Uma série de políticos que não acreditam no futuro da coletividade, bem como não apresentam projetos a altura da sociedade, de outro lado, cidadãos que seguem convivendo com o fruto do imediatismo que alguns trocados proporcionam. Quatro anos vangloriando do poder político e em contrapartida uma conta de luz paga, uma garrafa de bebida, um saco de cimento, alguns tijolos... Em suma, é como se o todo poderoso comprasse ouro a preço de bananas e o eleitor vendesse, ou melhor, doasse a sua alma e consciência ao diabo, sem grandes questionamentos.

Não, alto lá, eu não estou sendo pessimista, creio que com a nova onda de informações via redes sociais estamos mais atentos àqueles que tentam se eleger a custa dos nossos votos. As redes têm permitido as pessoas preocupadas no bem-estar social como uma dessas mudanças que estamos tateando no ar. Atualmente existem mecanismos para um controle social mais acirrado de fenômenos como a compra/venda de votos e os políticos miseráveis de que falei acima estão sujeitos a verem as suas desgraças em rede nacional através das imagens borradas de píxel de algum celular.

O que apenas afirma que estamos num círculo vicioso, sempre haverá pessoas capazes de vender e capazes de comprar, exceto se encontrarmos políticos dispostos e eleitores conscientes. A minha esperança mora nas novas lideranças políticas, na juventude exibindo um real interesse e compromisso conosco e no abandono do ranço do coronelismo.

É na fragilidade de boa parte que reside à chance do político miserável. Ele entende de miséria, fomentando-a como mecanismo de perpetuação de si mesmo. Por fim, eu só posso afirmar que não compactuo com essa engrenagem, não vendo o meu voto, pois acredito e muito no futuro!



Juliana Soledade

Crônica produzida para o Jornal A Região publicado no dia 30 de Setembro de 2016

21 de setembro de 2016

Agulhas: a eterna saga

O médico sinaliza a necessidade de alguns exames. Me mantenho em jejum após as 22:00 horas, uma fome descontrolada por saber que eu não posso mais comer. Acordo três vezes na madrugada me dirijo até a cozinha, abro a geladeira e bebo água, apenas. Acordo com mais fome do que o normal e me apresso.

Após a preparação psicológica para enfrentar as agulhas, encaro o caminho do laboratório. Mãos frias, sudorese por todo o corpo quando o meu nome completo é acionado pela enfermeira com cara de poucos amigos.

Pede que eu me sente, acomode a bolsa e relaxe o braço. Relaxar é a única coisa capaz de fazer naquela manhã de terça-feira. Ela põe o garrote no braço, e eu quero fugir da cadeira. Prepara as seringas, coloca a A-G-U-L-H-A e pede que eu feche a mão. Duas lágrimas de cada olho, não, pera, são três. Não é possível que ela ainda vai tentar encontrar minha veia com a agulha em mãos. Não tem mais nenhum vaso para contar história, só tem um corpo estático com taquicardia, choroso e desesperado.

A pressão despenca, trazem um copo de água, um pouco de conversa até que veia trai a minha confiança e surge no dorso de minha mão. Primeira espetada e já estou passeando entre os anéis de Saturno. A sala ao lado percebe o meu tímido choro, a enfermeira perde a veia, eu digo que vou embora. Me arrependo, volto, outra enfermeira me atende e refaz todo o procedimento. Minha filha segura na minha mão e garante que não vai doer, mas dói e como dói. Sinto o meu corpo inteiro formigando ao ver quatro seringas cheias de sangue, me sinto anêmica, nem precisa mais de resultado. Peço duas bolsas de sangue para repor tudo o que foi tirado, todos riem. Eu continuo chorando.

Minha menina contou e disse que foram 35 segundos para as quatro seringas, eu contei 5 horas ininterruptas e fui uma verdadeira almofada de alfinetes. Sorry, baby!

Na saída do laboratório me entregaram um comprovante com acesso ao resultado pela internet. Ótimo! Dois dias depois começo a via sacra, cada dia libera um exame diferente e eu encaro as telas do Dr. Google para descobrir cada doença que me ronda, a cada pesquisa os sintomas se assimilam. Começo a ler os artigos científicos, pesquiso sobre sintomas de forma individual, não batem com o resultado, mas continuo pesquisando, encontro os remédios para curar a tal doença. Entro em pânico. Aviso que estou nos últimos dias de minha vida, faço plano funerário, testamento e declaração de últimas vontades.

Corro para o consultório com todos os resultados em mãos, ao entregar o exame de cabeça baixa ao médico ele sorri e alega tudo bem com os resultados, eu sorrio junto, ao menos valeu a pena todo o esforço [e desespero], guardo minhas neuroses e vou embora.


Juliana Soledade

9 de setembro de 2016

Essas mulheres

Nossos pais nos ensinaram a ser independentes, no trabalho, na cozinha ou no amor. Nos ensinam que devemos escolher nossa profissão de acordo a aptidão, a chorar até a última gota para sorrir em seguida, a aceitar o nosso corpo, o nosso sorriso. É verdade que alguns pais não ensinam, mas a vida logo trata de mostrar o bê-á-bá!

Os pratos mais sofisticados que fiz na cozinha receberam o mesmo ar de satisfação do meu pai quanto a minha aprovação na monografia. O bolo bem confeitado foi elogiado do mesmo jeito da minha seleção em uma grande empresa. Quando lancei um livro, os meus pais vibravam e apontavam para a filha escritora, quando decidir viajar para divulgá-lo, meu pai assumiu um papel incrível para cuidar de minha filha enquanto eu me realizava.

Nem todos os homens acompanham a mesma linha de raciocínio. Para a grande maioria somos impressionantes: a habilidade em desenvolver a atividade que realmente queremos, de abrir mão do conforto e sair em busca de nossas realizações.

Assustamos pela mesma condição, ser dono das próprias asas, amedronta. A independência financeira e emocional causa um desconforto no parceiro. A possibilidade de voar como pássaros em que nunca conheceram gaiolas, idem. Ou que já souberam o gosto da prisão. Assustamos pelo arbítrio de decisão, da escolha, pelo excesso de certezas. Pela seriedade em pedir perdão e seguir adiante. Por afastar os fantasmas tranquilamente.

Os homens se sentem alarmados com as mulheres que saem para happy hour com as amigas, e já imaginam os chifres postos em sua cabeça. Tem medo de mulher bem relacionada, que conhece [e conversa com] muita gente, daquelas que mantém a amizade com o açougueiro até executivo. Homens suspeitam do decote, da saia curta ou do batom vermelho.

A nossa emancipação emocional é a certeza de que nunca seremos submissas, fugiremos do cárcere, alcançaremos nossos ares. O fato de não demonstrar fragilidade incomoda. Entramos numa linha de seleção, não é qualquer quentinha de feira que agrada. Simples. O joio é facilmente substituído pelo trigo: inteiro e saudável.

Século XXI e ainda tem homem ansiando a posse de uma mulher. Bobinhos! Não vão muito longe. Queremos companheiros seguros o bastante para amar uma mulher segura o bastante.


Juliana Soledade

Crônica produzida para o Jornal A Região publicada no dia 10 de Setembro de 2016

28 de agosto de 2016

Meritocracia

Era um caminho normal, acordar aos sábados e antes de ir ao trabalho passar na padaria e comprar os jornais do fim de semana, logo depois fazer à conhecida ‘fézinha’ no ilegal jogo do bicho na porta do estabelecimento e encarar o dia de trabalho mais tranquilo da semana. Era realmente para ser um sábado qualquer, mas ao estacionar o carro um pedinte antigo da cidade, no entanto jovem na idade, encostou e pechinchou:

- Tia, me dá um real? – Seu bordão famoso.
- O que vai fazer com o dinheiro? – Questionei

Eu sou um pouco avessa a entregar dinheiro, sempre pergunto como vai gastar a quantia e se for algo que possa comprar, vou lá, compro e entrego.

Nesse dia, ele me disse que gostaria de comprar um café, logo o convidei para tomarmos café juntos, mesmo com a ausência da fome. Entrei na padaria, pedi dois cafés duplos com leite, e perguntei se ele encarava um misto. Seus olhos brilharam e concordou silenciosamente.

Percebendo que ele permanecia em pé o tempo inteiro, fiz um convite a se sentar:

- Não doutora, quero não – E foi se aproximando da porta da padaria.

Cheguei bem próximo e alertei de que nós dois poderíamos nos sentar e que era um direito de nós consumidores, mas ele recusou, veementemente apreensivo. A atendente também não gostou da minha proposta, passou a nos olhar de cara feia e nos tratar com rispidez.
Peguei os mistos, paguei a conta e saímos. Perguntei aonde iria se alimentar e apontou para a calçada, questionei se poderia dividir o momento, e ele afirmou com a cabeça.

Sentamos nós dois no meio-fio da calçada da padaria e tomamos nosso café. Conversamos por mais uns 20 minutos. Ele me contou que tem dias que faz apenas uma refeição, depende de alguém para ajudar no dinheiro, ou com algum serviço ou com comida. Eu faço todas as refeições e metaforicamente, de modo imediato, levei o primeiro tapa na cara.  Ainda me contou que mora numa casa abandonada, e eu moro em casa própria sempre inventando uma benfeitoria aqui ou ali. Segundo tapa. Ele me tratou de forma respeitosa e grata em cada momento do nosso café, mais um tapa, por acreditar que um pedinte sempre vai nos roubar. Cada um seguiu seu rumo, não antes dele me dizer que o dono e os atendentes não gostam de pobre, e que sempre é mal tratado. O último tapa, afinal sempre fui muito bem recebida e nunca me olharam ‘torto’.

- Já eu não gosto de pobreza de espírito – Salientei.

Deixei de frequentar a padaria, menos o jogo do bicho ainda que permanece na porta e eu continuo insistindo na ‘fézinha’, entretanto hoje de uma forma diferente: que o respeito exista independente de sua classe e que eu acerte no jogo. Porque a vida, meus caros, é muito dura fora da bolha, e carece de doses de sensibilidade no cotidiano.

Juliana Soledade


Crônica produzida para o Jornal A Região publicada no dia 27 de Agosto de 2016

6 de agosto de 2016

Sobre malas

Viajar é a interminável angústia de fazer e desfazer as malas. As minhas carregam histórias imprevisíveis, desnorteantes e inesquecíveis.
Já tentei seguir fórmulas para caber mais roupas ou sapatos, sempre algumas coisas ficam pelo caminho ou em urgência compro outro um suporte para aguentar os devaneios capitalistas.
Elas saem para o estrangeiro, para o frio ou calor, suportam nossos rompantes, nossos desavisos, nossas lágrimas. Já usei minha mala como travesseiro. Já subimos pé ante pé em avião, em ônibus e porta mala. Já sentiu areia de praia e pó de asfalto. Já tomamos banho de chuva e já foi carregada por outras mãos.
Em meio aos passos surgiram pessoas e culturas entre minhas aterrissagens.  E se minhas malas falassem dos reencontros, dos abraços e das quedas já levadas, teriam múltiplas histórias a contar. Elas quase sempre levam sorrisos e confianças, retornam com nostalgia e experiências. 
Ao tornar de alguma aventura, as malas sucessivamente pousam em meu quarto como se fossem uma canção de Vinicius de Moraes: “é melhor ser alegre que ser triste, a alegria é a melhor coisa que existe.”. Para aguentar a saudade de quem ficou.
Não tem amor eterno com namorado enquanto o suspense impera na esteira do aeroporto.  Não existe desespero maior ao notar os cadeados arrombados e a bagagem violada, acompanhado de duas certezas: choro sincero e ação indenizatória.
Dói abandonar uma mala que já viveu inúmeras histórias junto a nós, descartar apenas porque suas rodinhas não funcionam como antes, ou a sua cor já não é mais do nosso agrado.
Viajar é o mesmo que colecionar algumas moedas de ouro, se orgulhar de cada uma delas, e relembrar apontando entre fotos e memórias do caminho percorrido. Viajar é criar expectativas, é ficar frustrado com o sol do deserto do Saara ou a chuva não programada. É rir dos perrengues, é rir dos exageros. É inventar uma viagem atrás da outra para esquecer um amor, e regressar sem atingir o objetivo.
Viajar é libertar a alma, é tirar cada peça de roupa da mala fazendo lembranças das coisas vividas. Mais do que lembranças que uma mala carrega são os inúmeros souvernirs, chocolates, especiarias e confianças. Chegamos sabendo exatamente onde regressar.

Juliana Soledade

Crônica publicada no Jornal A Região no dia 06 de Agosto de 2016.

1 de agosto de 2016

Afinal, vivemos em um país democrático?

A democracia que nasceu em berço grego e ofertava ao cidadão a sua capacidade plena de decidir, opinar e discutir assuntos relacionados aos de uma determinada cidade Grega. Contudo, a democracia direta não foi efetiva e excluía os direitos dos escravos, estrangeiros e das mulheres. Ora, se poucos possuíam o poder de fato, então podemos pensar na impossibilidade dos interesses, naquele contexto, terem sido considerados universais. Logo, utilizar o termo democracia seria, no mínimo, falacioso. Posso pensar que qualquer semelhança com o Brasil atual não é mera coincidência, ressalvando as proporções devidas.

A democracia é o poder ou governo do povo, onde o caráter de se tornar institucional vem da vontade e o consenso da maior parte, que vai até as urnas e elege seus representantes. Contudo, estamos em um país onde se assume a palavra democracia, mas vemos muitos rasgando a Constituição com a finalidade de beneficiar-se agindo como se fossem ‘os donos do poder’ e, o mais grave, tentando passar para a sociedade a ideia de que vivemos num país democrático.

Diante disso, fica fácil acreditar que o poder que emana do povo é apenas teoria, pois, se o Estado existe, é tão somente por conta do cidadão, para servi-lo e não ao contrário. Mas, desgraçadamente, o que vemos é outra realidade, qual seja: um modelo dito democrático totalmente questionável esse adotado no Brasil: pobreza atraindo pobreza, péssima distribuição de renda, desigualdade de tratamento oferecido pelo Estado Brasileiro aos ricos e aos pobres e uma corrupção manifestada em todos os meios.


Eu consigo enxergar uma quantidade absurda de pessoas sendo manipuladas, para unicamente levar um número menor a se manter ou estar no poder, passando por cima dos direitos sociais, apenas em beneficio próprio. Para alcançar tal propósito, utiliza-se de procedimentos ilegais, como, por exemplo, a compra de votos. Sabe-se de pessoas que recebem um valor meramente simbólico para entregar o seu voto e sua aprovação, permitindo assim que aquele político seja eleito, aproveitando-se da gigante desigualdade socioeconômica existente, pouco se importando com as demandas sociais. É preciso enfatizar que a compra e venda de votos se faz presente notoriamente em muitos lugares, principalmente na população menos favorecida economicamente, ato este que é ilícito e gera pena e multa, regido na Lei nº 9.840/99, caracterizando assim como Crime Eleitoral.

Nesse cenário, é preciso favorecer a ampliação de órgãos que representem a sociedade civil, organizações que defendam os interesses de setores da coletividade. Já temos muitos, mas precisamos de mais força, como a OAB, sindicatos, associações, mutirões, grupos sociais diversos para difusão da participação popular, levando à esfera competente a obrigação de a vontade geral ser efetivada, bem como exigir transparências das ações e controle das arbitrariedades e abusos cometidos. Sendo assim, provavelmente conseguiríamos construir uma sociedade com justiça social e verdadeiramente democrática.

E para você, vivemos em democracia?


Juliana Soledade

Crônica publicada no Jornal A Região no dia 30 de Julho de 2016